Contos

sábado, 8 de setembro de 2012

Direito, Ganância e Economia


Uma tragédia se abate sobre a cidade: Uma tempestade causa enxurradas e desmoronamentos. As estradas estão destruídas e metade dos estabelecimentos comerciais está debaixo d’água. É lícito, nessa circunstância, que o dono da mercearia passe a vender os seus produtos mais caros (digamos, os vinte garrafões de água de 20 litros que tem em estoque)?

Em sua coluna “ABC do CDC” publicada no informativo Migalhas em 06.09 o Dr. Rizzato Nunes, Desembargador do TJRJ e autoridade festejada em Direito das Relações de Consumo escreveu uma peça em que ataca a “ganância” que, segundo ele, faz subir os preços de produtos em regiões atingidas por catástrofes.

A partir de um dos problemas expostos no livro “Justiça: o que é fazer a coisa certa” de Michael Sandel, Nunes qualifica como “sofisma ridículo e pueril” o argumento de Thomas Sowell sobre o tema, para quem o aumento dos preços é um reflexo natural – e útil – da situação concreta daquele mercado.

Para Nunes, é óbvio que o aumento de preços é abusivo. Para ele, aliás, e para a torcida do Flamengo. 

O Desembargador comete aí dois pecadilhos. O primeiro é o de tecer uma consideração sobre um autor a partir de terceiros. A partir da posição de Sandel sobre Thomas Sowell (autor que acompanho regularmente desde minha monografia, em que me utilizei de seu excelente estudo empírico sobre as cotas raciais) Rizzato Nunes tomou sua posição, sem se dar ao trabalho de ler a posição original que busca refutar. Ele moldou o argumento de Sowell da maneira que quis e passou a 'refutá-lo'.

O segundo pecadilho é comum à média dos operadores do Direito: Acreditar que a Lei positiva tudo pode, inclusive revogar leis naturais.

O argumento de Sowell exposto por Sandel está em seu livro “Ever Wonder Why? and Other Controversial Essays”. Sowell argumenta, sucintamente, que preços não são números arbitrários que flutuam no ar. Além de refletiram a correlação de oferta e demanda de um determinado produto ou serviço, os preços servem para forçar o consumidor a restringir a sua demanda.

Ou seja. Na situação exposta no primeiro parágrafo, se o dono da mercearia mantiver o preço do garrafão de 20 litros aos mesmos R$ 3.50 que cobra em condições normais de temperatura e pressão seu estoque se esgotará mais rápido que se os garrafões forem vendidos mais caros. Vendidos mais caros os distribuidores – que já enfrentarão mais dificuldades para entregar os produtos pela própria natureza da calamidade – se sentirão estimulados a aumentar a oferta do produto na área afetada: Afinal, se é para vender ao mesmo preço, é preferível suprir a demanda de locais menos perigosos, sem arriscar caminhões, pessoal e produtos em estradas destruídas. O merceeiro, também, preferirá deixar de vender, pois o risco de saques e depredações é alto, e ele próprio precisará subsistir.

Na longa tradição anticapitalista que temos aqui no Brasil cremos que os problemas podem se resolver através da lei. A lei deve tabelar ou restringir os preços em circunstâncias de desastre. Não existe ainda, até onde sei, nenhuma lei específica sobre esse assunto no Brasil (existe um projeto de Lei federal, a PL 3620/2012, do Deputado João Pizzolatti PP/SC), mas é óbvio que o espírito do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e o da Lei de Crimes contra a Economia Popular (Lei 1.521/51) vão nesse sentido, demonstrando a tradicional ignorância dos juristas brasileiros com as regras básicas da economia, em especial a lei da escassez.

Rizzato Nunes ironiza o pensamento liberal da seguinte maneira: “Parece mesmo que uma característica desses últimos vinte, trinta anos na sociedade capitalista é a falta de vergonha na cara, do surgimento da possibilidade do "cara de pau" falar qualquer coisa. Defender a ganância é apenas um dos exemplos desse descaramento que pensa e propõe o mercado funcionando como um Deus capaz de tudo resolver.”

Ora, de fato o Mercado não resolve tudo (como querem crer alguns ancaps) mas é o caso de se perguntar ao eminente Desembargador: E quem vai resolver o problema do desabastecimento? A comida e a água vão se materializar magicamente nos estoques da cidade destruída? A benevolência dos padeiros, cervejeiros e açougueiros vai garantir caminhões de comida para suprir não somente os que perderam tudo (que já são, normalmente, alimentados por correntes de solidariedade nacional), mas também os que só perderam alguma coisa e os que não perderam nada?

O resultado direto do controle de preços é o desabastecimento. É uma certeza universal, já experimentada pelos brasileiros. As famigeradas tabelas da SUNAB e “fiscais do Sarney” fracassaram não por que o país está repleto de pilantras, mas por que a economia se rege por leis naturais. A boa vontade e o amor protetivo de legislador não botam mesa. A “ganância” dos produtores e distribuidores, sim.


Um comentário:

Leonardo T. B. disse...

o que esse cara merece é que um dia, quando ele estiver pra morrer seco de sede, disposto a pagar uma fortuna por um copo d'água, alguém com uma caixa d'água cheia em casa passe na frente, compre o último galão por R$ 5 e deixe ele sem nada.