Contos

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

"... só sei que foi assim!"

Um dos trabalhos mais difíceis do advogado é instruir a sua testemunha para que ela esteja afinada com a sua tese. De nada adianta arrolar uma testemunha se ela pode ser desastrosa para a sua tese, seja por lembrar de algo que deveria ter esquecido, como esquecido de algo que deveria ter lembrado ou, pior, querer florear a verdade e acabar se contradizendo. É sério: a tese perde credibilidade, e a testemunha arrisca ser presa.

Por isso não é aconselhável arrolar testemunhas quando sua tese é frontal à verdade dos fatos e a testemunha não tem talento e sangue-frio para mentir.

Patrocino uma ação contra uma empresa de ônibus regional. Meu cliente alega ter sido ofendido com palavras de baixo calão pelo motorista de um ônibus da empresa, depois de ter reclamado de uma atitude deste.

A tese da empresa é a de que não houve nenhum incidente. Meu cliente teria entrado mudo e saído calado, bem assim o motorista. Não houve acordo, seguimos para a audiência de instrução.

Arrolei uma testemunha que viu a discussão e as ofensas. A empresa arrolou o motorista (que foi ouvido como informante) e a cobradora do veículo.

O motorista informou que meu cliente teria dito, sem razão aparente, que ia dar queixa da empresa, mas que ele, o motorista, não lhe respondeu. Já a testemunha demonstrou uma habilidade que deveria ser investigada por uns cientistas nos EUA:

Juíza: "O que o autor falou quando entrou no ônibus?"
Testemunha: "Nada. Ele só me perguntou o nome do motorista, e não disse mais nada. Só que ele 'tava retado' por que pensou que o ônibus ia passar direto pelo ponto."
J: "Mas o que ele disse nessa hora?"
T: "Nada!"
J: "E como você sabe que ele 'tava retado'?"
A testemunha, então, lançou um olhar desesperado para a advogada da empresa, e lascou: "Não sei!"
J: "Como, não sabe?"
T: "Não sei!"

Não questionei em nada a testemunha - Como poderia? Ela, por si só, apresentou uma versão inverossímil do que ocorreu.

É como diria Saint-Exupéry: "Tu te tornas eternamente responsável pela testemunha que arrolas"


- "Não me arrole pra ser testemunha não, por favor?"
- "Largue de bestage e decore a estória que te ensinei"

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