Na manhã do último dia 28, tropas das forças armadas de Honduras, pequeno país da América Central, invadiram a residência do então presidente da República, prendendo-o e enviando-o em seguida para a Costa Rica. Mais uma quartelada numa república bananeira? Não. Por incrível que pareça.
Façamos um breve retrospecto. O ex-presidente Zelaya iniciou em Honduras o mesmo modus operandi bolivariano. Suscitou uma consulta popular de caráter plebiscitário para, declaradamente, mudar a Constituição, abrindo o espaço para reeleições sucessivas. Ocorre que as leis Hondurenhas não permitem tal procedimento na forma e no tempo, e com os objetivos, que Zelaya pretendia. O Congresso disse não. A Suprema Corte disse : “Pare”. Que fez Zelaya? Pregou abertamente a desobediência da ordem judicial, e tocou para frente o seu projeto.
Uma democracia de verdade se revela não somente pelo poder conferido à maioria, como pelas garantias conferidas à minoria, e, principalmente, o equilíbrio dos freios e contrapesos entre os poderes executivo, legislativo e judiciário. Os Bolivarianos, seguindo o exemplo de Hugo Chávez e a dica dada por Antônio Gramsci, descobriram que a melhor maneira de solapar a “democracia burguesa” é utilizando os seus próprios instrumentos, e testando, a todo momento, a tolerância dos freios e contrapesos. Por isso Zelaya ignorou o Congresso e a Justiça: Para afrontá-los, humilhá-los, e controlá-los. Ocorre que os hondurenhos, sabendo como termina esse filme (vide Venezuela, Bolívia, Equador...) não “comeram reggae” do presidente. E aí começa toda a diferença.
A ação dos militares, por incrível que pareça, ocorreu dentro da lei e da ordem, respaldados por uma ordem judicial. O poder não ficou, nem por um segundo, entregue a uma junta militar, passado para o segundo na linha sucessória, o presidente da câmara. O ponto de estranheza para a maior parte das nações civilizadas é o fato de o ex-presidente não ter sido processado. Mas não existe impeachment nas leis hondurenhas. Presidente que avacalha é tratado como traidor, e existe como direito constitucional o direito de rebelião contra um presidente que usurpa o mandato recebido.
O mundo, entretanto, não se deu conta deste fato, e pressiona Honduras, quase à unanimidade, para que Zelaya seja reempossado, ignorando o fato de que a alternativa legal ao exílio é a prisão e o processo criminal. A menos, é claro, que eles acreditem piamente que o simples fato de o presidente ter sido eleito democraticamente lhe dá carta branca para fazer o que queira. Aparentemente, neste, todos passaram a acreditar na teoria “The president can do no wrong” (assistam, sobre isso, o filme Frost/Nixon, disponível em DVD).
E a reação internacional é risível. Hugo Chávez, que iniciou sua carreira num golpe de estado em 1992, que persegue opositores, enfeixa o poder em suas mãos e condena o intervencionismo nos assuntos internos da Venezuela, disse que o golpe é obra de “gorilas”, e que vai derrubá-lo; Cuba, uma cinqüentenária ditadura, cuja lista de mortes e torturas faria nossos milicos parecerem freiras carmelitas descalças, afirmou, porca misera, que “a época das ditaduras militares na América Latina já passou”; A OEA, que recentemente abanou o rabinho para o reingresso de Cuba nos seus quadros, segrega Honduras; A ONU, que deixou de intervir no genocídio no Sudão por questões semânticas, idem. Até os EUA, demonstrando que Obama não aprendeu a lição de Carter no Irã em 1979, surge agora patrocinando, indiretamente, o projeto chavista.
A diplomacia brasileira, pra variar, também ficou do lado errado. Abraçado com o ditador e terrorista líbio Kaddafi, com o genocida sudanês Omar al-Bashir, com o teocrata maluquete iraniano Ahmadinejad, o nosso presidente condenou a suposta ruptura democrática em Honduras.
Honduras está numa crise, no sentido exato da palavra. Decidiu, num primeiro momento, que o presidente não pode fazer o que lhe der na telha, e que está sujeito às leis como qualquer outro. Resta agora decidir se vai transigir nesta conquista. Rezo pela vitória do Império da Lei em Honduras. Enquanto isso (ainda) não ocorre, entretanto, sigo com a divisa do filósofo Ortega y Gasset: “Em toda luta de idéias, sempre que vires que de um lado combatem muitos, e de outro poucos, suspeitai que a razão se encontra com os últimos, e nobremente lhes preste auxílio”.
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