Contos

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Maria da Penha contra Abel

Todos viram ontem na novela Caminho das Índias a já clássica cena em que Abel finalmente flagra sua esposa Norminha enfeitando sua cabeça com mais um par de galhas cometendo adultério. Indigando com a traição da esposa, que reputava como santa, Abel desaba numa torrente de xingamentos, culminando por expulsá-la de casa, jogando todas as suas roupas na rua.

Como eu fiz esses dias uma Defesa Preliminar de um rapaz indiciado com base na Lei Maria da Penha numa situação vagamente parecida, pus-me a pensar: Abel agiu de maneira típica, antijurídica e culpável? Em liguagem de gente, Abel cometeu crime?

O senso comum diria que não. Mas a Lei Maria da Penha nos dá indicativos de que sim. Vejamos.

Diz a LMP que

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

(...)

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

E então? Se formos fazer uma interpretação extensiva dos direitos humanos, nosso amigo Abel, ao tratar Norminha nos termos que ela merece com adjetivos depreciantes, chulos, ao impedi-la de retornar para casa, infringiu, em tese, o inciso II e V, e ao recusar a entrega de bens materiais - somente despejando as roupas na rua, quebrando um vidrinho de esmalte - infringiu, em tese, o inciso IV do Art. 7º da Lei.

É de se lembrar que os tribunais têm rejeitado a tese da legítima defesa da honra. Ou seja, na pior das hipóteses Abel, para não se expor ao cometimento de crime (já que é notória sua fama de Caxias), deveria ter engolido o orgulho, e se recolhido ao sofá, esperando Norminha chegar em casa para bater uma DR.

E agora? Não vai tardar para vir a reação de grupos feministas contra a reação de Abel. E vai sobrar, evidentemente, para a Globo. Aposto como alguém vai protestar contra o tratamento dado a Norminha, com algum chavão do tipo "reflexos da ideologia do patriarcado" ou "perpetuação da imagem estereotipada da mulher como adúltera, gerando uma aceitação social da situação de mando e submissão física", como ouvi algumas vezes em conferências nos tempos de movimento estuantil.

Afinal, a mesmíssima Lei Maria da Penha estipula o seguinte:

Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

Lembremo-nos da gritaria contra a novela "Sinhá Moça". Não tardará até que alguém proponha uma espécie de maior "controle social da mídia", como forma de garantir que o politicamente correto sobreviva e os cornos permaneçam mansos.

***********************

Não viu a cena e se chateou com o spoiler? Foi mal, mas você pode ver agora:



Nenhum comentário: